A Transferência de Tecnologia para transiçāo energética na Agenda Regional do Mercosul*
- Giovanna Wanderley
- 23 de mar.
- 4 min de leitura

Apesar do avanço tecnológico na área de energia renovável, o Brasil enfrenta obstáculos significativos para a transição energética, incluindo entraves regulatórios e a necessidade de aprimorar o conhecimento sobre a viabilidade dessas tecnologias no contexto nacional. Semelhante desafio experimenta o Mercosul, em que pese o compromisso regional firmado entre os Estados-Partes para cooperação ampla em setores de interesse mútuo, aqui incluído o energético.
Os Estados-Partes do Mercosul, assim como todo o mundo, sofre com as mudanças climáticas, são signatários do Acordo de Paris e a cooperação intergovernamental é a modalidade eleita por consenso para união de desígnios em prol do desenvolvimento sustentável, conforme o Tratado de Assunção.
As experiências da Argentina com o gás (sobretudo o de Vaca Muerta), energia de transição, aliadas às tecnologias testadas em solo brasileiro para energias renováveis, sem prejuízo das iniciativas paraguaias e uruguaias, são avanços que até então, não fazem parte da Agenda Regional para Transferência de Tecnologia (TT) de maneira programática.
A TT abrange um conjunto de mecanismos que facilitam a transferência de conhecimento e propriedade intelectual de instituições de pesquisa para o setor público e privado (WIPO, 2024). Esses mecanismos incluem licenciamento de patentes, pesquisa colaborativa, criação de startups e Joint Ventures, entre outros, com o objetivo de transformar invenções em produtos e serviços que beneficiem a sociedade e possuem aplicação mercadológica, incentivando a adoção de soluções inovadoras para os desafios comuns.
Sobre a cooperação no setor energético em âmbito regional, temos o caso exitoso de Itaipu Binacional, o qual Brasil e Paraguai compartilham a gestão da produção de energia hidrelétrica e investem fortemente em inovação e tecnologia, contando um Parque Tecnológico, um Observatório de Energias Renováveis do lado paraguaio, apoiando também um Programa de Pós-Graduação em Energia e Sustentabilidade na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e firmando várias parcerias institucionais para fomento da transferência de tecnologia (TT). No entanto, ocorrem às margens da Agenda Regional, sem a obrigatoriedade de internalização pelos demais Estados-Partes do Mercado Comum do Sul.
Embora a cooperação entre os Estados-Partes para fins de aumento da competitividade internacional seja uma das principais bases do Mercado Comum do Sul, nos últimos anos a transferência de tecnologia só foi diretamente abordada nas Cúpulas de Presidentes no ano de 2023. Na oportunidade, foi reafirmada a necessidade da inovação de tecnologias para a sustentabilidade das cadeias produtivas, como uma estratégia consistente e coerente para transições justas, sem no entanto, deliberar efetivamente sobre a facilitação da transferência de tecnologias para o recorte energético de maneira direta.
A omissão do recorte energético na Cúpula sobredita, por outro lado, deu espaço para o destaque da provisão de financiamento dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento e a criação de capacidades, cooperação científica e técnica e transferência de tecnologia em condições preferenciais e concessionais, em consonância com as “Convenções do Rio”, como elementos essenciais para alcançar os objetivos estabelecidos nos acordos em matéria ambiental e seus protocolos respectivos.
Já em 2024, na LXV Cúpula de Presidentes, reafirmou-se a importância de seguir com os avanços em matéria de integração energética na região. O foco foi na integração elétrica, a ampliação da rede de gasodutos, para um maior aproveitamento dos recursos disponíveis, com redução de custos para os usuários finais, sejam industriais ou particulares. Em item apartado, reconheceu-se que a propriedade intelectual contribui para a inovação e o desenvolvimento econômico na região, mas sem abordagem direta às transferências de tecnologia.
No Brasil, desde 2020 as Tecnologias Verdes, nas quais se incluem as patentes em matéria de energia renováveis, possuem trâmite prioritário junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Por sua vez, considerando que os esforços nacionais pela diminuição do tempo de análise de patentes ainda poderia ser óbice à TT, em 2022 o INPI reformulou seu entendimento para processamento do registro dos contratos respectivos para aceitação inequívoca do licenciamento de tecnologia não patenteada (Know-how) e não obstaculização do registro de contratos de TT que envolvam o pagamento de royalties, enquanto o se processa o depósito da patente. Tais alternativas não se exigem dos demais integrantes do Mercado Comum do Sul, se o que for decidido em âmbito regional não for formalmente deliberado e internalizado.
Sendo certo que cada Estado-Parte estrutura suas estratégias nacionais de acordo com as prioridades institucionalizadas, o que repercute no posicionamento dos Escritórios de Propriedade Industrial e embora exista tecnologias para transição energéticas aptas a serem transferidas dentro do Mercosul, carece de um procedimento facilitador em âmbito regional para que a cooperação possa efetivamente ocorrer em condições equilibradas, nos moldes idealizados pelo Tratado de Assunção. Ainda que isoladamente, algum Estado-Parte avance na fronteira tecnológica por ações nacionais, se enfraquece o Mercosul, se retarda a transição energética.
Referências:
BRASIL. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Portaria 247, de 22 de junho de 2020. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/noticias/PortariaPR24722.06.20RPI258230.06.20.pdf. Acesso em: 7 mar. 25.
BRASIL. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Presidência. Ata da Reunião do dia 28 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/arquivos/SEI_INPI0747049AtadeReunio.pdf. Acesso em: 7 mar. 25.
MERCOSUL. Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul e Estados Associados. LXIII Cúpula de Presidentes do Mercosul (2023). Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/comunicado-conjunto-dos-presidentes-dos-estados-partes-do-mercosul-e-estados-associados/. Acesso em: 7 mar. 25.
MERCOSUL. Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul. LXV Cúpula de Presidentes do Mercosul (2024). Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/comunicado-conjunto-dos-presidentes-dos-estados-partes-do-mercosul/. Acesso em: 7 mar. 25.
WIPO. Knowledge and Technology Transfer. Disponível em: https://www.wipo.int/en/web/technology-transfer. Acesso em: 7 mar. 2025.
*Artigo originalmente publicado no Portal Mercojuris, edição do dia 13 de março de 2025.
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