Segundo Ferreira e Acypreste, países que não investem suficientemente em Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) limitam seu crescimento e acabam dependentes de países ricos. Nesse contexto, pode-se conceituar o Sistema Nacional de Inovação (SNI) brasileiro como imaturo, com atraso das instituições necessárias ao progresso tecnológico e dificuldades no ambiente macroeconômico, que impelem as empresas nacionais a agirem de maneira defensiva, por meio da redução de gastos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Para os economistas.
É necessário um mínimo de maturidade do SNI para que o país se aproveite da “janela de oportunidade” oferecida pela diferença tecnológica entre os países atrasados (em desenvolvimento) e os países líderes (desenvolvidos), qual seja, a possibilidade de imitação – ao contrário dos grandes dispêndios necessários para que os países que já se encontram na fronteira tecnológica realizem inovações e tenham ganhos de produtividade [1].
A edição mais recente da Pesquisa de Inovação (PINTEC-IBGE) de 2017, cuja divulgação perdeu espaço para a pandemia, revelou resultados importantes e determinantes para o planejamento da recuperação econômica no Pós-COVID. A pesquisa cobre o triênio 2015-2017 e suas seções abordam temas-chave da inovação, quais sejam: a taxa ou incidência de inovação; a intensidade dos dispêndios em inovação; a composição desses dispêndios entre as categorias de atividade inovativa; o apoio do governo e os obstáculos à inovação [2].
De acordo com a pesquisa citada, o financiamento para a compra de máquinas e equipamentos foi a modalidade que mais perdeu relevância em termos de empresas beneficiadas. A queda do investimento em maquinário para inovar identificado naquela edição do PINTEC, foi motivada pelos riscos econômicos excessivos e não mais o alto custo para inovação, indicado na edição de 2014 pelas empresas inovadoras investigadas.
O resultados do PINTEC, foram considerados na formulação da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) de 2016-2022, como indicadores auxiliares da tomada de decisão dos gestores sobre os ajustes necessários em programas e planos para análise dos avanços pretendidos por setor, identificação de conquistas ou fragilidades do SNCTI no período e concretização da política de inovação brasileira [3].
Consoante a ENCTI [4], um dos instrumentos governamentais de apoio é o incentivo fiscal, que busca induzir os investimentos empresariais em pesquisa e desenvolvimento, com vistas a estimular e potencializar a inovação no setor produtivo, mediante mecanismos diversos, tais como: deduções, amortizações, depreciações ou crédito fiscal [5]. Dentro do nicho de incentivos fiscais, está o Ex-Tarifário.
O Ex-tarifário consiste na redução temporária da alíquota do Imposto de Importação (II) incidentes sobre Bens de Capital (BK), de Informática e Telecomunicação (BIT), assim grafados na Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC), quando não houver a produção nacional equivalente. O regime surgiu como resposta a instabilidade econômica internacional que refletia no mercado interno, desestimulando a inovação por parte das empresas que usavam boa parte do seu capital para adquirir maquinários ou importar tecnologias inexistentes no Brasil e pelo baixo apoio governamental, no que tocava aos entraves de financiamentos para inovação.
Além de buscar diminuir os óbices à inovação das empresas, eixo estruturante da ENCTI, o regime sobredito possui, ainda, objetivo extrafiscal e extra-empresa, qual seja: a melhoria dos produtos/ serviços, maior competitividade, assim como a multiplicação de emprego e renda em nível nacional e regional, já que o Ex-Tarifário é produto de acordo no âmbito do MERCOSUL, internalizado e regulamentado pelos Estados-Partes do Bloco. Ressalte-se, ainda, que o incentivo fiscal não se vincula à empresa, mas sim ao item ao qual se deseja importar com redução de alíquota. Isto é, uma vez reconhecido o benefício, qualquer empresa pode importar, sem distinções sobre ramo de atividade ou regime de tributação, desde que seja sediada em território nacional e regular para importar.
Mesmo sem menção expressa à inovação, o Tratado Constitutivo do Bloco, datado de 1991 [6], já declarava a necessidade de promover o desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados Partes, bem como modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviço disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes. Na linha desse objetivo, a Decisão nº 8/2021 do Conselho do Mercado Comum, já referenciada, sustentou que a política tarifária do MERCOSUL deve favorecer inovações no processo produtivo regional para promoção da competitividade, motivo pelo qual foi prorrogado o Ex-tarifário até 2028.
No Brasil, o Ex-Tarifário será estendido até 30 de abril de 2022 para cerca de 18 mil produtos atualmente contemplados pelo regime. No período compreendido entre 17 de janeiro a 28 de fevereiro, está disponível consulta pública para manifestação sobre prorrogação adicional dos ex-tarifários no âmbito do regime, até 31 de dezembro de 2025. Os itens que não forem objeto de manifestação favorável à sua permanência no regime serão revogados a partir de 1º de maio de 2022. Os que receberem manifestações de permanência e ante a comprovação de inexistência da produção nacional equivalente, terão a redução da alíquota do imposto de importação estendida até o final de 2025 [7].
De acordo com a ENCTI [8], “verifica-se um interesse crescente dos países nas avaliações de impacto das políticas do setor, com especial enfoque no detalhamento dos efeitos econômicos decorrentes dos programas de inovação”. Nesse sentido, as revisões periódicas do regime e a consulta pública acima citada permitem aferir a efetividade do incentivo fiscal e por conseguinte, se é capaz de estimular a inovação.
A decisão do MERCOSUL em prorrogar o Ex-Tarifário já foi internalizada pelo Brasil por meio Resolução nº 291, de 21 de dezembro de 2021, do Ministério da Economia, reconhecendo o regime como instrumento efetivo de política comercial que promove a competitividade na região e confere certeza e previsibilidade às atividades produtivas. Compartilha desse entendimento, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), para a qual o regime se mostra crucial para o planejamento de investimentos pelas empresas e para adaptação competitiva de setores, o que repercute em uma maior previsibilidade para o setor empresarial que se sentirá mais seguro para investir em inovação [9].
Por fim, embora o Ex-Tarifário, por si só, não resolva a imaturidade do SNI brasileiro, é possível concluir que dentro dos parâmetros para os quais foi criado, possui o condão de fomentar a inovação não só por diminuir o custo para o seu alcance, mas por garantir condições mais competitivas do setor produtivo.
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Artigo original publicado no Portal Mercojuris em 21/02/2022.
Disponível em: https://www.mercojuris.com/47828/o-ex-tarifario-como-ferramenta-de-incentivo-a-inovacao-%E2%80%93-ad-giovanna-wanderley/.
[1] FERREIRA,Filho. ACYPRESTE, Rafael. Pesquisa do IBGE de 2017 revela retrocessos em inovação no Brasil.Portal Brasil Debate, 2020. Disponível em: https://brasildebate.com.br/pesquisa-do-ibge-de-2017-revela-retrocessos-em-inovacao-no-brasil/. Acesso em: 22 jan. 2022. [2] IBGE. Informativo da Pesquisa de Inovação 2017. Rio de Janeiro:IBGE. 2020,p.1. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101706_informativo.pdf. Acesso em: 22 jan. 2022. [3] BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Plano de ação para a promoção da inovação tecnológica: 2016-2022/ Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, 2018. p. 121. Disponível em: http://www.finep.gov.br/images/a-finep/Politica/16_03_2018_Estrategia_Nacional_de_Ciencia_Tecnologia_e_Inovacao_2016_2022.pdf. Acesso em: 30 jan. 2022. [4] Ob. cit. p. 27. [5] Ob. cit. 80. [6] BRASIL. Decreto nº 350/1991. Promulga o Tratado para a Constituição de um Mercado Comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai (TRATADO MERCOSUL). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0350.htm.Acesso em: 24 jan. 2022. [7] Consulta Pública Ex-Tarifário. Disponível em: https://extarifarios.powerappsportals.com/. Acesso em: 24 jan. 2021. [8] Ob.cit. p. 119. [9] FIERN. CNI defende renovação dos regimes de importação do Mercosul. 2021. Disponível em: https://www.fiern.org.br/cni-defende-renovacao-dos-regimes-de-importacao-mercosul/. Acesso em: 24 jan. 2022.
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