Como uma área de planície quente, semiárida e uma das maiores taxas de desmatamento do planeta, o Gran Chaco é a segunda maior floresta da América do Sul, atrás apenas da Floresta Amazônica. O bioma se estende pela Argentina, Paraguai, Bolívia e Brasil e reúne mais de 50 ecossistemas diferentes unidos pelo mesmo padrão de vegetação e clima, fornecendo equilíbrio ambiental e bioclimático para o continente [1].
Diversos acordos referentes ao Gran Chaco foram assinados pela Argentina, Bolívia e Paraguai, incluindo a Convenção das Nações Unidas para o combate à desertificação [2] e a Iniciativa Chaco Trinacional, compromisso para o desenvolvimento sustentável e inovação social em favor dessa região, considerada uma das mais ameaçadas ecologicamente na América Latina.
No Brasil, a região do Chaco é bastante reduzida e está localizada em sua maior parte dentro de fazendas no Estado do Mato Grosso, limitando-se com o Pantanal. Ao contrário do que ocorre na Argentina, Paraguai e Bolívia, o Chaco não é reconhecido como bioma no Brasil.
Foto: CLAC [3]
Pesquisadores brasileiros [4] identificaram que risco de desaparecimento do Chaco no Brasil pode estar relacionado ao avanço do agronegócio no centro-oeste do país, região líder na produção de grãos em larga escala, principalmente a soja. Ainda segundo a pesquisa, um dos fatores que mais ameaça o desaparecimento do bioma e, consequentemente a diversidade genética nele contida, é o seu desconhecimento. Importante ressaltar que além da diversidade ambiental, o bioma também traz em suas raízes a história dos países que o abrigam e das populações que lá habitam e dele dependem de alguma forma.
O Chaco brasileiro é muito confundido com o Pantanal, por serem limítrofes, sendo a única região no território nacional que possui remanescentes da vegetação “Savana Estépica”, tipicamente do Chaco. A conservação da biodiversidade associada a essa vegetação é de suma importância, pois há muito a ser descoberto e, a identificação, o mapeamento, a caracterização e a quantificação dos remanescentes de vegetação podem contribuir para a formulação de políticas públicas que objetivam a conservação e o uso sustentável da biodiversidade (SILVA et al., 2005) [5].
De acordo com o parágrafo 4º do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira, a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. A Lei a que se refere o dispositivo constitucional é a nº 13.123/2015. Essa lei também regulamenta alguns artigos da Convenção sobre Diversidade Biológica.
A Convenção sobre a Diversidade Biológica é um tratado da Organização das Nações Unidas e um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados ao meio ambiente, com foco no acesso ao patrimônio genético, proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado, bem como repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. No Brasil, o tratado foi internalizado pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998.
Em outubro de 2010, durante a Conferência das Partes da Biodiversidade realizada em Nagoia (Japão), foi aprovado Protocolo com o mesmo nome da cidade, para estabelecer regras internacionais para a utilização e a repartição de benefícios do uso econômico de recursos genéticos da biodiversidade. O Brasil ratificou o documento em 4 de março de 2021, mas as disposições não tem efeitos retroativos e a Lei nº 13.123/2015 é a lei base para implementação do Protocolo.
Embora a preservação do meio ambiente, como um todo, seja um imperativo presente no ordenamento brasileiro, o reconhecimento legal de um bioma como patrimônio nacional garante proteção especial específica e permanente pelas políticas públicas e fortalecimento de uma consciência ambiental por parte da população.
Resultados de pesquisas empreendidas pelo Projeto Biomas (Brasil) denotam a necessidade de se observar as especificidades de cada bioma: enquanto na Amazônia plantios florestais são promissores, em algumas áreas campestres do Pampa atenção deve ser dada ao componente herbáceo. Na Mata Atlântica, o volume de chuvas anual permitiria a exploração de culturas durante praticamente todo o ano, por sua vez, na Caatinga a lógica de exploração em uma curta janela de chuvas impede que se possa adotar os mesmos procedimentos. Nesse contexto, se exigem alternativas técnicas para cada condição ambiental, respeitando normas específicas para o uso de Áreas de Preservação Permanente; Áreas de Reserva Legal; e Áreas de Uso Alternativo previsto no ordenamento jurídico para biomas reconhecidamente brasileiros [6].
Por ocupar território de quatro países sulamericanos, a biodiversidade do Chaco brasileiro poderia encontrar um mecanismo de proteção internacional, mas o tratado não se aplica a um bioma legalmente inexistente. Se não é previsto pela Constituição Federal, não pode ser regulamentado pela Lei nº 13.123/2015. Enquanto isso, o Chaco brasileiro corre o risco de desaparecer sem sequer ser conhecido, não só pela lei, mas pelas futuras gerações.
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Artigo originalmente publicado no Portal Observatório Legislativo Argentino (OLEGISAR) em 22/11/2021.
Disponível em:
[1] TNC. Gran Chaco: Protecting the second-largest Forest in South America. Acessível em: https://www.nature.org/en-us/about-us/where-we-work/latin-america/argentina/gran-chaco/https://www.nature.org/en-us/about-us/where-we-work/latin-america/argentina/gran-chaco/. Acesso em: 23 out. 2021. [2] OAS. Sustainable Forest Management in the Transboundary Gran Chaco Americano Ecosystem. Acessível em: http://www.oas.org/dsd/waterresources/projects/Chaco_eng.asp. [3] Acessível em: http://clac-comerciojusto.org/pt-br/2019/12/iniciativa-gran-chaco-proadapt-desenvolvida-por-organizacoes-certificadas-ganha-premio-como-projeto-estrela-de-adaptacao-climatica/. Acesso em: 23 out. 2021. [4] ALVES, Fábio Et. Al. Genetic structure of two Prosopis species in Chaco areas: A lack of allelic diversity diagnosis and insights into the allelic conservation of the affected species. Acessível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ece3.4137. Acesso em: 23 out. 2021. [5] SILVA, J. dos S. V. da; ABDON, M. de M.; MIRANDA, J. I.; SILVA, M. P. Proposta para quantificar os remanescentes da vegetação do Pantanal brasileiro. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, 12., 2005, Goiânia. Anais... São José dos Campos: INPE, 2005. p. 1663- 1665. [6] Projeto Biomas. Acessível em: http://www.projetobiomas.com.br/. Acesso em 24 out. 2021.
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